terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A CERTEZA DE SALVAÇÃO À LUZ DAS ESCRITURAS - A FALSA CERTEZA DE SALVAÇÃO (I)

Continuando nosso estudo, examinemos, agora, a doutrina, em si, da certeza de salvação. Para fins didáticos, tomaremos como base para a nossa análise a sistematização da doutrina tal como se apresenta na Confissão de Fé de Westminster, capítulo XVIII, por considerarmos que o trabalho desenvolvido pelos teólogos puritanos ingleses, do século XVII, foi de grande envergadura acadêmica e espiritual, delineando, claramente, aquilo que a Escritura Sagrada expõe sobre o tema. Vejamos, então, os pontos relevantes, e chaves, da matéria em apreço.
1) Existe uma falsa certeza de salvação.
Às vezes ouço a seguinte objeção à doutrina: "Fulano de tal era um crente fiel a Jesus, participava de todas as atividades da igreja, pessoa consagrada, mas de repente, se desviou, foi para o mundo e se perdeu. Como explicar isso? Esta pessoa continua salva apesar disso?”
O grande problema, neste caso, é a mentalidade de conversão que adquirimos com a teologia defendida por Charles Finney (para um entendimento do estrago que Finney produziu na teologia cristã sugiro a leitura do artigo “Adoradores ou Consumidores: o outro lado da herança de Charles G. Finney, de Augustus Nicodemus Lopes, que pode ser baixado no site www.monergismo.com). De acordo com Finney, a salvação era obtida por uma decisão manifesta pela pessoa por meio de um gesto. Assim, ele introduziu a idéia do apelo após a mensagem e a insistência para que a pessoa “aceitasse” a Cristo. Se, então, ela levantasse a mão, isto indicaria que estava salva.
O que acontece neste tipo de pregação é que a salvação passa a ser uma decisão da vontade da pessoa, e não um “nascer de novo”, como Jesus ensinou em Jo 3, quando falando com Nicodemus disse: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus...importa-vos nascer de novo” (v. 5,7). Observe, há uma obra que se opera em nós, não é algo resultante de nossa vontade pessoal, mas da ação de Deus sobre nós. Para que isto fique claro o Senhor Jesus acrecenta um comentário: “o vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim, é todo o que é nascido do Espírito” (v.8). É o Espírito quem opera e faz nascer o filho de Deus redimido, e não a vontade pessoal por si mesma.
É por causa disto que o parágrafo I da Confissão de Fé assim inicia o assunto: “Ainda que os hipócritas e os demais não-regenerados possam iludir-se vãmente com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de salvação, esperança essa que perecerá...”
Este parágrafo da Confissão de Fé nos alerta para o fato de que existem pessoas que experimentaram algum tipo de fé e deixaram-se iludir pela mesma, achando tratar-se da fé salvífica. Entenda: as pessoas naturais, não-convertidas, têm um tipo de fé natural, fruto da sua confiança em algo. Mas esta confiança precisa de algo visível, palpável para projetar-se. No caso da fé a mesma não é palpável, visível, assim, o homem natural projeta sua fé em si mesmo, naquilo que pode e quer acreditar. Por isso, sua fé não pode salvá-lo, a menos que experimente um “novo nascimento”, uma experiência que o faça romper consigo mesmo para projetá-lo em Cristo. Bem, é isto o que o Espírito Santo faz, ele nos tira da confiança pessoal (na verdade, Ele desmonta todo o nosso sentimento de confiança pessoal), e nos faz olhar para Cristo, para o Calvário, e nos faz compreender que ali estávamos sendo punidos, e pelo sangue do cordeiro sendo reconciliados. Isto não é mero assentimento inlectual, é uma experiência de renovação da mente; não é mera confiança pessoal, é sentimento de incapacidade pessoal e necessidade de um salvador. Assim, não é o assentimento da vontade que nos salva, como defendia Finney, mas a experiência de novo nascimento (espero tratar disso melhor num próximo estudo).
O que caracteriza este novo nascimento? Essencialmente a mudança da disposição da vontade. Antes amávamos o mundo e tudo o que havia no mundo; nascido de Deus, passamos a amar a Deus e a sua Lei, pois é na sua Lei que encontramos a sua vontade expressa. Quem diz amar a Deus e rejeita a sua Lei, de fato não O ama, mas permance nas trevas; quem diz amar a Deus, mas continua amando as coisas do mundo (baladas, prostituição, músicas pecaminosas, etc.), de fato não conheceu a luz de Cristo; quem diz amar a Deus e continua escravo do pecado, de fato não conhece a Cristo, não nasceu de novo.
Assim, aqueles que um dia estiveram na igreja, participaram ativamente, se mostraram dedicados e consagrados e “caíram”, não voltando mais para o Senhor, de fato não nasceram de novo, e a fé que um dia professaram era falsa, longe do fundamento, que é Cristo. Esta fé que expressaram não era aquela produzida pelo Espírito de Deus que leva o ser humano à regeneração. Conseqüentemente, estas pessoas, em algum tempo, viram sua fé desfalecer ou ser desmascarada.
Ernest C. Reisinger ("Lord & Christ: the implications of lordship for faith and life", Phillipsburg, New Jersey: P&R Publishing. p.114), nos lembra que é por causa da possibilidade da decepção religiosa que o Novo Testamento nos adverte muitas vezes sobre crentes espúrios. Em Mateus 7. 22 Jesus nos fala daqueles que no último dia dirão: “Senhor, Senhor! Porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?” E Jesus lhes responderá: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade.”(v.23).
Este texto aponta para duas marcas que podem nos fazer confundir a verdadeira fé que salva da falsa fé, produzida pelo coração humano, que conduz à perdição. A primeira marca é a falsa piedade. Observe que, segundo Jesus, muitos dirão naquele dia “Senhor, Senhor”. Talvez você não esteja familiarizado com esta expressão, mas no mundo semita quando se desejava enfatizar algo usava-se o recurso da repetição. Assim, no dia do juízo muitas pessoas se chegarão a Cristo mascaradas de uma falsa piedade, enfatizando o senhorio de Jesus sobre suas vidas, sem, contudo, o conhecerem de fato. Diante dos homens eram mui piedosas, mas estavam totalmente longe do reino de Deus.
A segunda marca se vê no apelo que fazem ao uso de dons. São pessoas que, no nome de Jesus, profetizaram, expeliram demônios, fizeram milagres, etc. Todavia, estavam perdidos, não conheciam, de fato, a Jesus. Conheciam o seu poder, mas não a sua graça. A fé salvífica não se confunde com o uso de dons espirituais; na verdade, os dons são apenas ferramentas que nos capacitam a servir a Deus no mundo e na igreja, mas nada tem a ver com nossa salvação ou espiritualidade.
Diante disto fica a questão: se é possível existir uma falsa piedade, que aos olhos humanos parece verdadeira, e se os dons não servem para indicar os filhos redimidos de Deus, como identificar os salvos? Observe o porquê da rejeição de Cristo a estes homens: “apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.23). Apesar de demonstrarem piedade e poder, estas pessoas continuavam escravas do pecado, ou seja, não haviam nascido de novo, não sabiam o que era, de fato, ser regenerado.
Como se vê, aqueles supostos discípulos haviam experimentado algum tipo de fé, sem que esta pudesse salvá-los. Experimentaram dons do Espírito, sem que pertencessem a Cristo.
A advertência de Jesus a esta falsa segurança continua na parábola seguinte, onde dois homens construíram sua casa em terrenos diferentes, um sobre a rocha e outro sobre a areia. Aparentemente não se via diferença, mas no dia do julgamento o fundamento de cada casa foi revelado. Ambos ouviram a palavra da verdade, mas só um a praticou. Ambos criam estar seguros, mas só um se salvou da ruína.
O que leva, então, alguém a uma falsa convicção de salvação? No próximo estudo continuaremos examinando este aspecto, para que possamos fazer um juízo melhor de nossas próprias vidas e da fé que professamos em Jesus, para que não sejamos contados entre aqueles que do Senhor ouvirão, no dia do Juízo: apartai-vos de mim.

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