domingo, 28 de fevereiro de 2010

A ORIGEM DO OFÍCIO DIACONAL II

Redescobrindo as origens do ofício diaconal
Se Atos 6.1-7 não enfoca a instituição do Diaconato, onde devemos buscá-la? Nesta busca é preciso distinguir duas coisas fundamentais, entre a instituição e a origem.
Quando falamos de Instituição estamos pensando naquele momento em que determinado ofício foi criado, estabelecido no meio da comunidade. Neste sentido é muito difícil nos localizarmos, visto que o Novo Testamento não nos fornece esta resposta.
A única coisa que sabemos é que este ofício já havia assumido proporções eclesiásticas por volta do ano 55 d.C., conforme podemos conferir em Fp 1.1: Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus, inclusive bispos e diáconos que vivem em Filipos... Outra passagem que nos atesta isto é 1 Tm 3.8-13. É interessante notar que as instruções dadas por Paulo nesta passagem vem logo depois das instruções dos bispos, o que poderia indicar um relacionamento entrelaçado destas duas funções .
Mas, se por um lado é difícil demarcar o ponto inicial da Instituição diaconal, por outro é fácil perceber sua origem, podendo esta ser rebuscada em modelos veterotestamentários e difundidos pela vida de Jesus no Novo Testamento.
No Antigo Testamento a expressão servo de Yahweh no livro de Isaías prefigura a ação de Cristo como que um serviço prestado a Deus em favor de suas ovelhas desgarradas (Is 53.6). E de fato isto se cumpre na vida de Cristo. No texto de Filipenses, onde Paulo já havia falado do diaconato (1.1), temos o seguinte testemunho:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus, antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo (dou/loutornando-se em semelhança de homens; e reconhecido em figura humana; a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz.(Fp 2.5-8)

Observe que Jesus é designado como servo, aquele que veio para servir a humanidade. E esta designação é reforçada pelo próprio Jesus quando da ceia com os seus discípulos conforme registrada em Jo 13.1-17.
Mas o que caracterizou as atividades de Jesus como um ministério diaconal? Basicamente o serviço voluntário e integral para com as pessoas. Mt 4.23-25; 9.35-38 e Lc 6.17-19 nos falam das atividades de Jesus que acudiam tanto as enfermidades da alma quanto do corpo.
Tendo ensinado este serviço desprendido por amor às pessoas Jesus insta com seus discípulos para que também o façam. Mt 20.20-28 nos conta uma história peculiar onde a mãe de Tiago e João pede ao Mestre para que no seu Reino seus filhos pudessem assentar-se ao seu lado, um à direita e outro à esquerda. A resposta de Jesus tipifica todo o espírito do seu ministério e que deveria caracterizar o de seus discípulos:
Então, Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será o vosso servo; tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.(vv.25-28).

Os discípulos entenderam posteriormente este mandamento do Senhor, somente depois de sua morte e ressurreição, porém sempre que exerciam suas funções viam a si mesmos como diáconos do Senhor (2 Co 11.23, 1 Tm 4.6).
É óbvio que os apóstolos não se viam exercendo nenhum ofício diaconal, mas entediam suas funções como diaconia.
Entretanto, acredito que de todos os escritores neotestamentários Lucas seja aquele que procura suprir-nos de protótipos diaconais que posteriormente vieram a dar a origem ao diaconato. Em algumas passagens do seu evangelho e de Atos ele faz questão de assinalar atividades diaconais. Estas se dividem de duas formas: atividades diaconais prestadas a Cristo e atividades prestadas à Igreja de Cristo.
 No Evangelho de Lucas encontramos passagens onde os discípulos do Senhor lhes prestam serviço (diaconia) espontaneamente. Eis algumas passagens para nossa reflexão:
Inclinando-se ele para ela, repreendeu a febre, e esta a deixou; e logo se levantou passando a servi-los. (A cura da sogra de Pedro, 4.39);
E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo, ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta com bálsamo ungiu os meus pés. ( A pecadora que ungiu a Jesus, 7.44-46);
Aconteceu depois disto que andava Jesus de cidade em cidade e de aldeia em aldeia anunciando o evangelho do reino de Deus, e os doze iam com ele, e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades...as quais lhe prestavam assistência com os seus bens. (8.1,3);
Marta agitava-se de um lado para o outro, ocupada em muitos serviços. Então se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tivesse deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. (10.40).
Estas passagens são importantes para a nossa reflexão porque espelham um estágio bem posterior dos eventos narrados. Quando Lucas nos conta estas histórias a Igreja já estava estabelecida. É provável que a data de escrita seja entre os anos 75-80 d. C. E isto implica em algo fundamental para a nossa discussão: o termo diaconia já era um termo específico nas comunidades cristãs. Portanto, quando Lucas o usa o faz de forma consciente como que procurando apontar-nos em alguma direção. Particularmente, acredito que ele procura levar-nos aos protótipos do diaconato, demonstrando-nos que o mesmo surgiu, em primeiro lugar, como resposta de amor à diaconia de Cristo.
 Em Atos as atividades diaconais são vistas naqueles que a fazem para o próximo. Eis alguns textos:
Vendiam as suas propriedades e bens , distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. (2.45);
Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes, e depositavam aos pés dos apóstolos; então se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade. (4.34,35);
Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária. Então os doze convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir as mesas. (6.1,2);
Havia em Jope uma discípula, por nome Tabita, nome este que traduzido quer dizer Dorcas; era ela notável pelas boas obras e esmolas que fazia...e todas as viúvas o cercaram, e chorando e mostrando-lhe túnicas e vestidos que Dorcas fizera enquanto estava com elas. (9.36,39);
Morava em Cesasréia um homem, de nome Cornélio, centurião da coorte, chamada a italiana, piedoso e temente a Deus com toda a sua casa, e que fazia muitas esmolas ao povo e de contínuo orava a Deus. (10.1,2).
A análise destes textos nos leva a algumas conclusões: a) primeira, que as atividades diaconais que no Evangelho é feita para Jesus, agora é feita para os pobres; b) segunda, que esta tarefa se tornou pesada para os apóstolos à medida que a Igreja crescia e que, portanto, precisava ser compartilhada com alguém que fosse responsável pelo serviço, sendo eleitos sete homens; c) terceira, que apesar da diaconia ter sido estruturada em Jerusalém, esta era uma responsabilidade de toda a igreja; d) quarta, que a diaconia era feita com o que havia de melhor e não com as sobras.
Diante disto, podemos dizer que Atos 6 foi a primeira tentativa de se organizar a atividade diaconal da Igreja, não sendo no entanto a origem do diaconato. A origem deste ofício deve ser buscada nestes pequenos serviços, vindo, mais tarde, a ser institucionalizado. Entretanto, vale ressaltar algo muito importante. Vendo estes textos nos parece que a diaconia está associada diretamente com o serviço caritativo sendo este o todo do seu significado. No entanto, se atentarmos em Atos 6.8-15 veremos Estevão, um dos sete anunciando Jesus. Da mesma forma em At 8.4-8 encontramos Filipe proclamando a Cristo, sendo mais tarde chamado de evangelista (21.8).
Observe, então, que a diaconia exercida na Igreja primitiva ia muito além da assistência caritativa, envolvia, também, o serviço a Cristo por meio da proclamação do evangelho.
Isto é confirmado pela Didaqué, um documento produzido pela Igreja primitiva no final do século I d.C., que servia como uma espécie de catecismo para os primeiros cristãos. Neste documento encontramos as seguintes instruções:
Escolham para vocês bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados, porque eles também exercem para vocês o ministério dos profetas e dos mestres.
Não os desprezem, porque entre vocês eles têm a mesma dignidade que os profetas e mestres. (Cap. XVI, vv.1,2).

Um último fator a ser considerado no ofício diaconal no Novo Testamento é a responsabilidade daqueles que exerciam a diaconia pelo preparo das reuniões cúlticas e catequéticas, e até mesmo as execuções destas, como podemos depreender de At 16.40; Rm 16.1,2; Fp 4.2,3, e outros. Além disso, é interessante Fp 1.1 e 1 Tm 2.1-13, onde os diáconos vem a seguir dos bispos, demonstrando a íntima relação de atividade entre estes.
Assim, podemos concluir que o ofício diaconal é fruto da organização de diversos ministérios eclesiásticos que com o passar do tempo assumiram caráter oficial na Igreja. Estes ministérios, incluíam desde a assistência caritativa até o ofício cúltico.

Nenhum comentário: