quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

DONS ESPIRITUAIS - Princípios Regentes Sobre os Dons Espirituais

Uma vez estabelecida a natureza dos dons espirituais é necessário articular alguns princípios bíblicos sobre seus propósitos, manifestações e usos no Corpo de Cristo. Para tanto, tomaremos o texto de 1 Coríntios 12, uma vez que o mesmo foi escrito visando nortear tais princípios numa comunidade que havia experimentado à exaustão as manifestações do Espírito e mesmo assim havia se tornado infantil nos seus procedimentos.

1. Dons e Espiritualidade
O apóstolo Paulo inicia esta perícope, ou seção, da Carta com uma advertência muito séria: a manifestação de dons não se confunde com a espiritualidade de alguém. Por isso, é necessário discernir sobre a vida daqueles que se dizem ou julgam espirituais simplesmente porque possuem um determinado carisma.
Na verdade, o apóstolo apenas retoma algo que já havia chamado atenção no início da carta. No cap. 1.7 ele afirma categoricamente que tal comunidade havia recebido todos os dons (grego w[ste u`ma/j mh. u`sterei/sqai evn mhdeni. cari,smati, “de maneira que não vos falta nenhum dom...”), e por isso dava graças a Deus. Todavia, a partir daí surge o surpreendente, tal comunidade cheia de carismas estava dividida, fraccionada (1.10) em contendas teológicas por uma má compreensão da verdade da cruz de Cristo. Por causa de tais divisões são chamados por Paulo de “carnais”, crentes sem maturidade, infantis (cap 3).
Percebe-se neste contexto que os dons em nada estavam servindo para espiritualidade da comunidade, algo que manifestasse a graça de Deus ao seu povo e ao mundo. Por isso, quando trata especificamente do assunto dos dons, que tem início no cap. 12, o apóstolo começa chamando a atenção para este problema: ter dons não implica em ser espiritual. Daí aprendemos:
a. Que manifestações visíveis dos dons espirituais podem ser vistas em pessoas que jamais conheceram a Cristo. Os “espirituais” (pneumatikw/n) de Corinto tinham dons, mas desconheciam a fé em Cristo, daí porque o apóstolo exorta para que se discirna bem quem são estas pessoas. O fato contundente se algo procede de Deus é a exaltação de Cristo. Um falso “espiritual” não confessa Cristo nem o exalta, mas busca a sua glória pessoal.
Este ponto deve nos fazer lembrar daquilo que Jesus disse em Mt 7.21-23:
Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade.

Observemos nestas palavras alguns aspectos interessantes: 1.falsa confissão em Jesus; 2. manifestações de dons espirituais; 3. condenação porque continuavam escravos do pecado.
Ter dons espirituais não implica ser salvo. Todo filho de Deus, redimido por Cristo Jesus, tem dons espirituais, mas Deus pode conceder dons a ímpios ou a quem quer que seja para executar sua vontade (e.g. a mula de Balaão, Números 22.21-41).

b. Que os dons espirituais não implicam em espiritualidade na vida do filho de Deus. Como vimos no contexto de 1 Coríntios, aquela comunidade possuía todas as manifestações visíveis dos carismas do Espírito e no entanto eram infantis, não haviam progredido espiritualmente. Isto porque, os dons têm como propósito o serviço, sendo capacitação especial de Deus para o mesmo. Os dons geram habilidades especiais de Deus em nós, não o caráter dele em nossas vidas.

2. Dons e Espírito Santo
Um conceito predominante em nossa geração quando falamos de espiritualidade é o do antropocentrismo, ou seja, o homem é o centro de todas as coisas. Assim, a vida de fé, o culto e todas as suas manifestações passam a ser vistas e planejadas a partir da perspectiva do bem-estar do ser humano. Por isso, muitos cultos e atividades nas igrejas viram mero entretenimento. É comum se argumentar que a igreja deve oferecer tudo que for possível para segurar as pessoas, principalmente os jovens, na comunidade. Com isto, vemos a cada dia um povo carregado de pecados, divisões e brigas por poder.
O conceito antropocêntrico deixa suas marcas também na questão dos dons, uma vez que ouvimos o ensino de que somos nós que escolhemos os dons que queremos, e somos até estimulados a querermos os “melhores” dons.
Este conceito antropocêntrico fere frontalmente o claro ensino das Escrituras sobre o papel do Espírito Santo na administração e concessão dos carismas na vida igreja. O texto de 1 Co 12 estabelece, pelo menos, duas verdades imutáveis sobre o assunto:
a. O Espírito Santo é a origem e a razão da pluralidade dos dons. Os vv. 3-6 concatena a origem dos dons à fórmula trinitária: o Espírito, o Senhor (Jesus), o mesmo Deus (pai). Todavia, apesar dos dons terem sua origem na santíssima trindade, segundo a economia trinitária (distribuição de tarefas), cabe ao Espírito Santo manifestar os dons na vida do povo de Deus. Por isso se diz: “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas...” (v.11). A implicação direta disto é que os dons não tem sua origem na nossa piedade, nem em nossa fé, mas na manifestação soberana do Espírito Santo. E é exatamente por causa desta soberania que o Espírito distribui os dons a partir das necessidades da Igreja de Cristo, tornando os dons múltiplos, variados.
b. O Espírito Santo distribui os dons como lhe apraz (bou,letai). Ou seja, a distribuição dos dons segue estritamente a vontade do Espírito Santo e não a do homem. Todavia, no contexto de 1 Co 12 é possível perceber alguns critérios utilizados pelo Espírito ao repartir os carismas na Igreja:
• A distribuição não faz acepção de pessoas.
• A distribuição é feita visando um fim proveitoso.
A confusão em torno deste tópico ocorre devido a tradução um tanto infeliz da palavra grega zhlou/te, dzeloute, em 12.31 e 14.1, que em nossas Bíblias aparece como “procurai”, dando a idéia de que podemos escolher os dons que queremos. Todavia, o sentido exato da palavra é “mostrem grande interesse em...” O apóstolo estava advertindo a comunidade a discernir os dons que melhor serviam à comunidade, em vez de se deixarem levar pelos dons supranaturais.

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