sexta-feira, 4 de setembro de 2009

VIDAS QUE PERMANECEM EM TEMPOS DE SOFRIMENTO - Parte III - Jó 1.20-22; 2.9,10

Há alguns anos atrás li um folheto que contava a seguinte história:
“Num certo dia, um professor de filosofia começou sua aula com a seguinte indagação: o que esperamos da vida? Ninguém na classe respondeu.
O professor, então, direcionou sua pergunta para um rapaz da classe. Ao ver que o mestre falava com ele, pensou por alguns instantes e respondeu:
- Bom, a vida deve ser considerada em etapas, e a primeira coisa que eu espero é terminar o ensino médio.
Em seguida, o professor indagou novamente:
- E após ter concluído o ensino médio, o que você espera da vida?
- Eu pretendo entrar numa universidade e me formar – respondeu o aluno.
Ao que o professor indagou, novamente:
- E depois?
- Ah, eu pretendo me casar e ter dois filhinhos com minha esposa.
- E depois? – perguntou o professor.
- Aí eu pretendo economizar bastante para ter uma bela aposentadoria. Na realidade, almejo abrir meu próprio negócio.
O professor perguntou:
- E depois?
- Depois de abrir um negócio próprio, e meus filhos haverem crescido, pretendo deixar a empresa nas mãos deles e viver com sombra e água fresca. Viajar bastante, aproveitar ao máximo o que restar da vida.
O professor estava refletindo bastante nas respostas do aluno, e então perguntou novamente:
- E depois disso tudo?
- Ah, eu creio que vem a morte – respondeu o aluno.
Pensava o aluno que o interrogatório havia terminado, quando o professor lhe perguntou:
- E depois?
E o aluno não soube o que responder.”
Dos versículos 13 à 19, do capítulo 1, encontramos quatro acontecimentos trágicos que sobrevieram sobre a vida de Jó. No primeiro, Jó perdeu seus bois e suas jumentas, além de perder os seus servos.
No segundo, ele perdeu suas ovelhas e seus servos.
No terceiro, perdeu os camelos e os seus servos.
No quarto, Jó perdeu seus filhos e filhas.
Diante de tal quadro, o anjo-promotor esperava que Jó começasse a blasfemar contra Deus. O que ele esperava era que Jó dissesse: “Deus, tu não és bom. És injusto, és miserável. Quanto tempo eu te servi, te adorei, e tu fazes isto comigo. O que eu fiz de errado? Nada. No entanto, me tomaste tudo o que eu tinha, deixando-me na miséria, além de tomares meus filhos. Tu não és bom, e eu te rejeito.”
Era, mais ou menos, uma declaração como esta que o anjo aguardava ouvir da boca de Jó. Porém, nos versículos que lemos, encontramos uma atitude e uma declaração contrária a tudo o que o anjo queria ver e ouvir.
Após tomar conhecimento dos fatos trágicos, diz o texto, no versículo 20, que Jó se “levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça, e lançou-se em terra, e adorou”. Há duas atitudes importantes a serem observadas, por nós, neste versículo. A primeira é que Jó não fugiu à realidade da dor que sentia. Na sua época, os homens de posição, como ele, usavam um manto por cima da túnica, e diz o texto que Jó rasgou o seu manto, um gesto que expressava o sofrimento que ele sentia. Sua posição, honra, havia acabado.
Ele também raspou sua cabeça, pois isto fazia parte dos rituais de luto da Mesopotâmia e Canaã. Era costume do povo de sua época cortar o corpo, mas Jó não fez isso. Todavia, assumiu sua dor, seu sofrimento, mas não precisou dilacerar seu corpo, pois a vida, apesar de tudo, ainda fazia sentido.
A segunda atitude é que ele adorou a Deus. Isto parece loucura, à primeira vista, pois ele havia perdido tudo e Deus era “culpado”. O anjo-promotor deve ter ficado perplexo diante de tal atitude. Tanto ficou perplexo que voltou, novamente, à presença de Deus e O desafia, mais uma vez, a tocar na vida de Jó. Deus permitiu. No entanto, quando a mulher de Jó lhe sugere amaldiçoar a Deus, ele responde: “temos recebido o bem de Deus, e não receberíamos também o mal?”
Outra vez o anjo-promotor é desafiado pela atitude tomada por Jó. Agora, era o seu corpo que estava doente. Era algo nojento, repugnante, porém, Jó assume a postura de não blasfemar contra Deus, manter-se fiel ao Criador.
Quando analisamos estes fatos à luz de nossas vidas, diríamos que Jó não batia bem da cabeça. Na realidade, ele tinha motivos de sobra para, no mínimo, queixar-se de Deus. Porém, ele não fez isso, assumindo uma atitude bem contrária a tudo que esperássemos.
Mas, por qual razão Jó manteve-se íntegro, a ponto de dizer, no capítulo 13.15: “Eis que me matará (Deus), já não tenho esperança; contudo, defenderei o meu procedimento”? O que permitia a este homem manter-se íntegro no seu relacionamento com Deus, mesmo diante de tal provação?
Creio que a resposta esteja na declaração de adoração feita por Jó. O que percebemos nestas palavras é que ele tinha uma perspectiva correta de vida. Ele, realmente, sabia o que esperar da vida. A visão dele era correta, por isso lhe foi possível suportar a provação.
Nós, porém, vivemos em uma sociedade que possui uma perspectiva de vida errada. O que as pessoas têm esperado do seu viver é ilusório. Isto porque a vida, para tais pessoas, não tem limites. Tudo o que se vê é o aqui e o agora. Esta mentalidade é bem expressa na canção que diz, “deixa a vida me levar”, sem compromisso ou responsabilidade pela jornada.
Certa vez, li em um livro a seguinte declaração: “vive-se o presente, pois o passado gera melancolia, e o futuro ansiedade”. É assim que muitos vivem, enxergando, apenas, o seu presente. Pessoas que desprezam o passado, que foi a base para o presente, e rejeitando o futuro, que prepara os alicerces para o novo presente. É por isso que muita gente tem caminhado sem destino, sem rumo, pois em suas perspectivas de vida não existem limites.
Jó suportou todo o sofrimento, toda a dor, pois tinha uma perspectiva de vida correta. Por isso, creio que vida que permanece em tempos de sofrimento é marcada por uma perspectiva correta sobre a vida. Esta é a terceira lição que quero compartilhar com os irmãos.
Na declaração de adoração de Jó podemos ver três lições importantes que me fazem crer que Jó tinha uma perspectiva correta sobre a vida. Em primeiro lugar, Jó compreendia que somos passageiros no tempo.
Observemos a expressão inicial de Jó: “Nu saí do ventre de minha mãe, e nu voltarei”. Jó utiliza dois verbos para expressar uma só realidade, no entanto, o faz com tempos de ação diferentes: “saí” (passado) e “voltarei” (futuro). O que ele estava dizendo é que sua vida era passageira. Jó tinha essa consciência em seu presente. Em outras palavras, Jó sabia que um dia morreria. Da mesma forma como ele nasceu, era natural que ele também morresse. Ele tinha consciência de que estava no tempo e que o tempo passa. E com ele, a nossa vida também.
Agora, muitas pessoas têm dificuldade de aceitar esta realidade, e vivem como se suas vidas fossem eternas. Vivem seu presente sem se importar com a realidade do tempo. É por isso que vivem de forma tão vazia, pois falta-lhes a percepção da transitoriedade da vida.
Vejo esta luta contra a verdade da morte e da transição do tempo nas interpretações erradas que alguns tentam dar a esta passagem. Uma destas interpretações é o ensino espírita de que este texto estaria falando de reencarnação. Primeiro, é interessante observar como a doutrina da reencarnação expressa bem esta mentalidade de eternidade. São pessoas que não querem aventar a possibilidade de um dia deixarem de existir nesta terra.
Em segundo lugar, é lamentável que se force um texto tão profundo como este para se coadunar com nosso medo da morte. Jó 1.20 não fala de reencarnação. Quando o texto diz “nu saí do ventre de minha mãe”, a frase refere-se à barriga materna; mas quando diz “nu voltarei”, refere-se à mãe-terra. Lembre-se, Jó é um livro da cultura judaica, e por isso, este é o seu ambiente de interpretação, e não o nosso, ocidentalizado ou orientalizado. Assim, quando procuramos entender o que a cultura semita, judaica, entendia sobre “voltar ao ventre da mãe”, só existe uma resposta: este ventre é o da terra, pois segundo Gênesis 2.7, o homem é filho da terra, sendo esta a sua mãe primitiva. Eva seria a mãe dos descendentes do homem, mas este teve sua origem na terra.
Tendo explicado isto, voltemos ao foco do nosso assunto. Na expressão de Jó fica claro que não é somente a vida que é transitória, mas tudo que está limitado ao tempo é passageiro. Muitos têm sofrido por ignorarem esta perspectiva fundamental sobre a vida. Somos passageiros no tempo. O apóstolo Tiago diz, em sua carta, o seguinte: “Que é a vossa vida? Sois apenas como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tiago 4.14).
Por outro lado, há aqueles que possuem a consciência desta transitoriedade e, em função disso, acabam sofrendo, quando deveriam tirar proveito disto para amadurecer e transcender às circunstâncias. Por isso, gostaria de mostrar, aos irmãos, a perspectiva bíblica sobre a vida, mesmo que seja de uma forma rápida.
Quando Deus criou o ser humano, Ele tinha o propósito de manter uma relação perfeita de amor e comunhão com seus filhos. Nos planos de Deus não havia morte para o ser humano, e sim, vida.
É importante observarmos, ainda, que o homem adquiriu a vida como uma dádiva graciosa do Criador. O que estou querendo frisar com isto é que a vida faz parte da natureza de Deus, e assim, somente Ele, e mais ninguém, pode concedê-la.
Porém, o ser humano, filho amado da criação, rejeitou ao seu Criador, e ao fazer isto, se afastou da essência da vida. Assim, descobriu a morte e passou a estar limitado pelo tempo e suscetível às vicissitudes da história. Com isto, estabeleceu-se a rotina do horror: nascer, crescer e morrer. A vida se tornou transitória, e sem a percepção disso, nos lançamos num abismo de desilusões.
Agora, mais importante do que entender a transitoriedade da vida é entender o que dá sustentação ao vazio da existência que a acompanha. Neste sentido, a Bíblia descreve o pecado como a grande causa da transitoriedade e do vazio existencial. Porque o pecado é real na vida dos seres humanos, ela é passageira, e por causa disso, as pessoas buscam desesperadamente algo que as preencha e amenize a dor do vazio. E, normalmente, buscam como analgésico o pecado.
Jó tinha consciência de que não viveria eternamente nesta terra, pois sabia que esta era limitada ao tempo. É bem mais fácil enfrentar o sofrimento quando entendemos que tudo é passageiro, inclusive a dor. Enquanto acharmos que somos eternos neste plano de existência, e vivermos sem avaliar as consequências deste viver; enquanto deixarmos a “vida nos levar”; estaremos nos alicerçando sobre a “areia”.
Vida que permanece em tempos de sofrimento é marcada por uma perspectiva correta sobre a vida; perspectiva que nos faça ver que somos passageiros no tempo, que não somos eternos; perspectiva que nos faça ver a rotina da existência: nascer, crescer e morrer.
Vendo a partir desta perspectiva a vida parece não fazer sentido. Mas quero lembrar que a Bíblia nos ensina que esta morte física, também é transitória, pois existe uma eternidade para se viver. Todavia, esta eternidade não é uma realidade física, mas espiritual.
Por causa do pecado, o homem morreu tanto fisicamente quanto espiritualmente. Assim, o homem está morto no tempo e também eternamente. Esta verdade é algo horrível, mas é verdade. Porém, Deus nos concedeu a graça, em Cristo Jesus, de vivermos, novamente. Disse Jesus: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10.10).
É necessário morrer no tempo, como consequência do pecado, mas se vamos viver ou continuarmos mortos na eternidade depende da resposta que damos ao convite de Cristo, quando diz: “vinde a mim”. Precisamos estar cientes que estamos passando pelo tempo, caminhando para a eternidade. Que futuro teremos lá?
Uma segunda lição importante que aprendemos com Jó sobre a perspectiva correta de vida é que nada trouxemos para esta vida e nada levaremos dela.
É interessante observar que Jó tinha consciência de que ele, de si mesmo, nada possuía. Por isso ele diz: “nu saí...nu voltarei...”. Quando do seu nascimento ele nada trouxe. Nasceu sem nenhum bem material, sem roupa, sem nada. Ele também entendia que nada levaria. Porém, nós encontramos muitos que tem levado uma vida como se fossem donos de alguma coisa, como se fossem “donos do mundo”. Pessoas que pensam assim são mais vulneráveis ao sofrimento, pois diante das perdas surge um espírito de revolta, pois lhes escapa às mãos aquilo que consideravam seu.
Considerando a perspectiva bíblica, o homem não foi criado para ser dono nem de sua própria vida (por isso prestará contas diante de Deus), quanto mais daquilo que fora criado para glorificar a Deus. O ser humano foi criado para exercer vice-regência sobre a criação a fim de apresentá-la ao seu Criador.
Jesus advertiu seriamente contra o perigo de pensarmos que somos donos dos nossos bens, e depositarmos neles a nossa confiança (Lc 12.15-21). Por isso, muito me entristeço quando vejo pessoas fazendo da fé uma ponte para riqueza, prosperidade e tantas outras tolices que de nada nos valerão no dia da nossa morte. Riquezas, prosperidade e sucesso não passam de “muletas” para corações vazios de sentido existencial eterno.
A terceira e última lição que Jó nos ensina é que uma perspectiva correta sobre a vida abarca a compreensão de que Deus é o Senhor de tudo e de todos. Ele exclamou: “O Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor”.
Esta declaração não simplesmente diz que Deus é o dono de tudo, mas expressa a soberania de Deus em proceder como Ele achar melhor. Por mais difícil que nos seja esta verdade, Deus não existe para satisfazer as nossas vontades, desejos e fantasias. O Criador não está preso a nós. Ele não precisa nem depende de nós. Assim, Ele tanto pode dar o bem como o mal.
A declaração de Jó também expressa que ele não esperava de Deus somente as coisas boas, sabendo que a provação era algo normal da caminhada existencial. Observe o v.10, do capítulo 2: “...temos recebido o bem de Deus, e não receberíamos também o mal?” Esta frase deixa claro que Jó não fazia jogo de interesse com Deus, pois sabia que a soberania do seu Criador estava acima das benesses auferidas.
Mas qual a dificuldade que temos para compreender este ponto? O grande problema está em nossa percepção de Deus. Criamos um Deus segundo à nossa imagem e semelhança, então, quando falamos do direito de Deus fazer o que decide fazer, julgamos isto como injusto. Bem, é sobre este ponto que quero tratar no próximo sermão.
Neste momento, gostaria de concluir esta mensagem pedindo-lhe para trazer à memória as suas perspectivas sobre a vida. O que o tem motivado a viver? Se entre tais motivações não estiver a percepção de que somos passageiros no tempo, desta vida nada levaremos e que Deus é soberano para agir como bem entender, então, sua vida se mostrará frágil demais para suportar os tempos de aflição, de dor. Você lutará contra estas coisas proferindo palavras de ordens, do tipo “eu determino”, “eu repreendo”, etc., e nada disso aliviará sua dor. Somente percepções maduras sobre a vida nos fortalecem para suportarmos as incertezas da vida. Que o Senhor Deus, em Cristo Jesus, te abençoe e te faça enxergar as percepções corretas que conduzem à decisões eternas. Amém.

2 comentários:

Unknown disse...

Pois é, querido mestre. Ter tais atitudes diante da vida faz-nos, além de mais firmes em Deus, sertirmos mais úteis. É como se fosse um "clic" que o Espírito nos permite ter diante das adversidades. Lembro-me de um filme que assisti sobre a segregação racial estadunidense da década de 1960. Ao assumir uma Igreja Batista no Alabama, Luther King disse: "quem não tem um motivo pelo qual possa morrer, não serve pra viver." Esse é um sentido de utilidade na sociedade e no Reino. Além do mais, devemos estar atentos à Palavra sabendo que não nos sobrevem mal maior do que o que podemos suportar. Agora, não é fácil, não!!! Sabe que já discutimos isso antes, mas eu não consigo entender. Como é que eu, perdendo 10 filhos, posso considerar que tive algo maior porque gerei tantos outros? Um filho é insubstituível!!! Você aceita o fato, mas não esquece. Afinal, avós morrem, pais morrem e, só então, filhos morrem. Que o Senhor nos ajude a superar todas as dificuldades, permanecendo firmes nos dias de provação. Grande abraço, pastor.

Unknown disse...

Caro mestre, como estamos discutindo sobre a "prova" - e aí o sr. usa um termo muito interessante que é o "anjo promotor" - gostaria de saber se no texto de Lucas 22, quando Jesus diz que "Satanás" estava reivindicando junto a Deus a "peneira" do apóstolo Pedro, se trata-se do mesmo "promotor" descrito em Jó, ou se é o próprio Satanás como se entende no censo comum. Grande abraço.