quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS EXEGÉTICOS E A DICOTOMIA COM A VIDA DE FÉ

O estudo da Bíblia tem sofrido nos últimos anos um descaso, até então, sem precedentes. Desde a Reforma Protestante que se tem dado atenção em especial ao texto em si, procurando compreendê-lo a fim de melhor explicá-lo. Foi abandonada, ali, a exegese do “quadruplo sentido das Escrituras”, que tornava os resultados interpretativos muito subjetivos, e passou-se a valorizar o “sensus litteralis”, ou sentido literal, que procurava ouvir a mensagem objetiva do texto.
Desde então, nestes últimos quatro séculos tem sido a ênfase dos estudos bíblicos esta busca pela sentido primário, aquele que o autor do texto pretendia. Assim, a exegese avançou muito em seus estudos textuais, históricos, literários e filológicos.
No entanto, nossa geração tem abandonado paulatinamente estas ênfases e tem valorizado e praticado uma espécie de leitura mística das Sagradas Escrituras, de tal forma que se tem caído em explicações textuais estranhas à intenção do autor. Isto se deve, talvez, a três fatores:
1) Com o avanço dos estudos exegéticos a Bíblia foi se tornando um estranho nas mãos do povo, a tal ponto que as ferramentas adquiridas para uma melhor compreensão da mesma acabaram se tornando armas apontadas contra aqueles que se arriscavam a interpretá-la. Assim, as pessoas começaram a se intimidar diante daquilo que deveria ser uma ferramenta, e porque se tornou uma arma começaram a rejeitá-la.
2) Outro fator intimidador do estudo exegético das Escrituras foi o resultado proposto. No início a intenção era que estes estudos abalizados produzissem uma aprofundamento da fé desvendando algumas das inúmeras dificuldades interpretativas da Bíblia. Entretanto, o que se viu foram resultados extremamente áridos. Literalmente se caiu no perigo que o apóstolo Paulo já havia advertido na Segunda Carta aos Coríntios, cap. 3.6: “O qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica”. A exegese se apegou a tantos detalhes de somenos importância que em vez de resolver os problemas existentes acabou criando mais. Com isso a fé deixou de ser aprofundada para ser questionada. Isto produziu nas igrejas um vazio enorme, pois ao ouvirem algum estudioso bíblico ficavam com as perguntas que lhes eram mais importante : E daí? O que isso tem a ver comigo, com a minha fé? Como isso melhora meu relacionamento com Deus e o mundo à minha volta?
3) Como a exegese, com todas as suas ferramentas, não conseguiu fazer conexão, durante muito tempo, entre seus resultados e as necessidades espirituais das almas humanas, as pessoas começaram a se distanciar daquilo que antes havia sido celebrado com alegria, a leitura literal das Escrituras. Assim, começamos a ver na geração presente o ressurgimento da leitura alegórica, subjetiva, mas que fala ao coração. E à medida que a filosofia pós-moderna avança, rejeitando todos os absolutos e relativizando tudo, o estudo exegético passa a ser visto como algo desnecessário, pois quando muito, produzirá algo que não nos diz respeito. Há até mesmo aqueles que vêem nisso pura laboração humana sem nenhuma presença de Deus, portanto, “carnal”.
Esta leitura mística acabou por jogar fora “da bacia a água suja junto com a criança”. Todos os avanços que foram importantes para a solidificação da fé Protestante Evangélica foram simplesmente rejeitados. A concepção evangélica contemporânea não consegue ver nenhuma utilidade para o estudo textual, histórico, literário e filológico.
Por causa disso temos visto uma série de doutrinas heterodoxas surgirem no meio de nossas igrejas. Como exemplo podemos citar o controvertido ensino de David (Paul) Yong Cho sobre a distinção entre Logos e Rema, ou a releitura de Marcos 6.22 feita por Keneth Hagin onde afirma se tratar de uma tradução equivocada, onde o correto seria: “Tende a fé de Deus”.
Se por um lado o estudo exegético corre o risco de gerar uma fé árida, destituída de vida (podendo, inclusive, perder até mesmo a própria fé), por outro lado, a leitura mística corre o risco de nos conduzir a uma fé alienada da verdade revelada por Deus em suas Escrituras, gerando, por sua vez, uma vida desconexa à vontade de Deus.
Assim, cabe ao estudioso da Bíblia Sagrada conciliar dois clamores intratextuais:
1) Primeiro, a Bíblia requer obreiros preparados que saibam manejá-la bem (2 Tm 2.15), um dos traços distintivos entre o líder cristão e o mercenário (2 Co 2.17), a fim de evitar distorções da sua mensagem (2 Pe 3.15,16). É neste contexto que vemos a importância de um estudo abalizado que procure ouvir a voz do Senhor tal como nos foi revelada. Esta Palavra para ser bem manejada requer conhecimentos Históricos (pois o nosso Deus se fez conhecido na história da humanidade), Literários (pois Deus não anulou o escritor sagrado quando o inspirou, razões pelas quais encontramos diversos gêneros literários na Bíblia, os quais possuem características distintivas), e filológicos (pois Deus se fez ouvir através de línguas que nos são estranhas ou diferentes, entretanto, usuais quando de sua manifestação). Quando desprezamos estas coisas desprezamos a voz de Deus, e passamos a impor nossas vozes como a voz do Senhor.
2) Segundo, a Bíblia requer, também, que sua mensagem conduza o pecador à salvação e ao crescimento por meio do ensino, repreensão, correção, educação na justiça, a fim de que este seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Tm 3.14-17). Jesus nos disse: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (Jo 5.39), portanto, o estudo das Escrituras tem que nos conduzir a vida eterna que está em Cristo.
Como dissemos no início, nossa geração tem desprezado o estudo sério das Escrituras e favorecido uma leitura subjetiva, alienante e mística da mesma. Com isso tem se desviado, em muito, das verdades eternas reveladas nas Sagradas Escrituras. Por isso, é mister, como ministros de Deus, chamados para o santo ofício da pregação e ensino de sua Palavra, resgatarmos a importância do estudo objetivo da Bíblia, desfazendo a insensatez daqueles que a distorcem para a perdição de quem os ouvem e os seguem. Entretanto, para isso, precisamos estar cientes de que a exegese deve ser encarada como ferramenta para aprofundamento da fé daquele que a utiliza e daquele que recebe os resultados do seu trabalho bíblico, e não como uma arma apontada contra a fé de nossos irmãos em Cristo.
Aplicate-te totalmente ao texto, aplica-o totalmente a ti.
(Johann Albrecht Bengel)

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